11.2.07

Casulos


Exausta. O fim de um longo dia. Dias longos pedem banhos demorados. Banho. Experimentou óleos e cheiros, gotas a escorrer-lhe o rosto. Água banhando seus cabelos, que teimavam em acariciar-lhe as costas e perfumes a beijar-lhe os seios. Percorreu seus contornos, não se importando com a fluidez do tempo, apenas sentindo a calma de uma respiração lenta. Demorou-se no colo, sentindo a maciez da pele. Traços diferentes denunciavam: algo estava em mudança. Sabonetes, saboneteiras...Sentiu o calor que preenchia o ambiente, numa tênue nuvem de águas. Aconchegou-se no roupão macio. Cheiro, texturas."Sinto-me outra", pensou. Limpou o espelho como quem abre uma janela para um lugar novo e desconhecido. E viu. Quem era aquela? Parecia levemente familiar. Mas a dúvida insistia: Quem era? Quais os seus sonhos? Quais os medos? Qual a sua história? Olhou nos seus olhos, numa tentativa de ver-lhe a alma. Longo silêncio. A resposta veio de repente. Para sua surpresa a pessoa atrás do vidro esfumaçado sorriu:


"Prazer em conhecê-la. O meu nome é Fênix."




Rodrigo D'Almeida, amigo e sensível poeta, me enviou isso ao ler meu texto "Casulos":

Oi, Menina. Este post foi do meu blog, no início de 2005. Veja como combina com
você (pelo menos eu achei que sim):

"O segredo da beleza da borboleta é o casulo, ou foi o casulo. E não foi nada fácil passar por ali.Reconhecer-se e se aceitar lagarta, encontrar forças suficientes para o auto-conhecimento, e depois de tudo isso, buscar a mudança. O salário do casulo é a liberdade. E é também a alegria das cores. Encontrei no silêncio um outro estilo de casulo. Um casulo mais humano, contudo não é tão simples calar. Acho que ando fazendo barulho demais".


Beijos longos do Poeta Menor.

2.1.07

De Bem



Quando eu era menina (ora, ainda sou, mas eu já fui mais menina ainda) falava a língua das crianças. Criança tem vocabulário próprio, nem sempre composto de palavras. Fazem parte do léxico infantil as "figas", os "adoletas", a "salada mista". Ah... Coisas de infância. Naquele tempo quando a Menina criança brigava com outra amiguinha, juntava as mãos com os dedos entrelaçados, virava as palmas para a pessoinha e dizia: "Tô de mal!". Tudo isso com a cara bem emburrada, bochechas vermelhas de raiva, olhar desafiador. Era coisa séria "ficar de mal". Principalmente para alguém que nunca falava palavrão. Abro parênteses:

( Dizem que nosso nível de stress é inversamente proporcional ao número de palavrões que falamos. Vide
texto de Pedro Ivo Resende, antes atribuído erroneamente ao Veríssimo. O fato é que eu não falo palavrão. Não falo palavrão pelo mesmo motivo que você não fala japonês: não me ensinaram. E sou feliz assim.)

Fecho parênteses. Ficar "de mal" era o clímax da raiva, a maior demonstração de indignação. Era um protesto calado, mas eloqüente. Mais ainda: era sinal de que a amizade corria perigo. E criança dá mais valor a amizade, não me pergunte por quê. Só sei que não demorava muito tempo para uma das partes envolvidas estender a mão, mostrando o dedo mindinho, dizendo "vamos ficar de bem?". E dávamos os dedos mindinhos, e estávamos "de bem" de novo. Sem mágoas, sem remorso, sem risco algum para a amizade.
Era mais fácil quando eu era criança. Hoje estou "de mal" de tanta coisa. Nem quero aqui fazer uma retrospectiva de meu 2006. Estou "de mal" com 2006. Começo 2007 não com o pé direito, mas com a mão estendida, dedo mindinho em riste: quero ficar "de bem" com o ano novo. Sei que não é tão simples como era na infância, mas ainda acredito ser possível. Ainda sou Menina. E quero ficar "de bem" com a vida.

22.12.06

E Era Natal


Era véspera de Natal. Um jovem pai permanecia sozinho diante de uma lareira. Como era costume da família, sua esposa e filhos haviam ido sem ele ao culto vespertino na igreja. Não que ele fosse hostil acerca de certas coisas, ele somente via não sentido nelas. E ali permaneceu. De repente, ouviu uma agitação do lado de fora da janela: um pequeno bando de pardais procurando refúgio, atraído pela luz do fogo, batia repetidamente contra a vidraça. Sem poder fazer nada ele observava as pequenas criaturas exaustas começando a cair, uma a uma, sobre a neve. Subitamente ele teve uma idéia! E apanhando seu agasalho dirigiu-se, rapidamente, ao celeiro. Apressadamente, escancarou as portas, acendeu as luzes a fim de atrair os pássaros para o calor e segurança. Mas para a sua decepção, seus esforços somente assustaram-nos ainda mais. Até que finalmente desapontado retornou para dentro de casa. “Se eu pudesse fazê-los entender”, ele pensou. “Se pelo menos eu pudesse tornar-me um deles, certamente conseguiria conduzi-los à segurança”. Nesse momento, então, à distância ele ouviu os sinos da igreja começarem a tocar o Natal. Cada badalada parecia ecoar suas palavras. “Num deles... Num deles... Num deles...”. Foi aí que ele compreendeu. Havia uma razão para o Natal. Cristo veio à Terra para tornar-se um de nós, pois Ele poderia conduzir-nos à Eternidade. De joelhos, chorando, ele abriu seu coração para Aquele que tanto o amou. E, pela primeira vez em toda a sua vida, era Natal...

21.12.06

De Repente

E de repente vem um sorriso
Mesmo sem motivo, ele vem
Sem avisar, sem convite
Tímido começa, mas persiste
Força suficiente para erguer
Os olhos, e com eles a fronte
Não há perguntas,
nem razões,
Apenas sorriso.


Bom mesmo é
Ser feliz e não saber.

18.12.06

Além dos Olhos


Era cega de nascença. Sempre que lhe perguntavam há quanto tempo estava cega, respondia: "É de nascença". Pelo menos foi isso que seus pais ensinaram que deveria responder, embora só compreendesse o que essa palavra significava muito tempo depois. Tudo o que sabia a respeito do mundo, das cores, das formas, sabia através dos outros. Sempre foi assim. Roupas, vestidos, calçados... Jamais tivera a chance de escolher por si mesmo aquilo que mais lhe agradava. Perguntava aos outros, sempre os outros. Estou bonita? Sim. Todos diziam que sim e para ela isso bastava. A imagem que a garotinha tinha de si dependia de outros olhos. Até que veio a escola e, com ela, as outras crianças. O maior defeito (e também qualidade) das crianças é que elas falam o que pensam, mesmo quando o pensamento é cruel. Via-se através dos olhares curiosos dos coleguinhas, que sempre a trataram como alguém diferente. E de fato ela era. Mas não gostava de o ser. Preferia passar despercebida na multidão, porém seu destino era justamente o oposto: seria percebida, sem perceber. Cresceu. Tornou-se uma moça. Seu prazer era colecionar elogios que lhe faziam. Seus ouvidos eram atentos a tudo, era mesmo capaz de memorizar até a entonação das frases que lhe diziam. E era seu contentamento quando diziam que era bela. Como queria ser bela! Devia ser muito bom ver algo belo, caso contrário as pessoas não dariam tanto valor à beleza. Se ao menos pudesse ver-se... Mas dependia dos outros. Eis o grande perigo: nem sempre os outros diziam o que pensavam. Adultos não são como crianças, e guardam os comentários cruéis para si, quase sempre. E mais freqüentemente ainda são indiferentes. E ela não entendia a indiferença: notava o silêncio daqueles ao seu redor deduzia: Estou horrosa mas ninguém tem coragem de me dizer. Sofria em seu mundo particular quando recebeu uma dádiva: um jovem se apaixonou por ela. Ele a chamava de "linda" e assim ela se sentia. Diziam também que o jovem era belo. Que orgulho ela sentiu! Era tão agradável a sensação que não se preocupou em mostrar a ele tudo de si. Graças a sua sensível habilidade de ouvir adquiriu gosto pela música, pelas palavras, pelas histórias que lhe contavam. Cantava docemente, fazia poemas. Disso ele nunca soube. Porque depois de um tempo o jovem se foi, deixando a ela apenas o silêncio. Ela sabia o que isso queria dizer. O silêncio. Foi quando chorou, copiosamente. Horas. Dias. Até semanas depois, suas lágrimas ainda fluíam, turvando-lhe a visão. Visão? Seria possível? Ela via? Sim! Não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas tinha certeza de que era algo diferente de tudo o que havia vivido até aquele momento. Percebia as folhas das árvores se movendo lá longe, o que antes só era possível quando as mesmas folhas tocavam sua pele. Ela via! Precisava de um espelho. Rápido! Teria muito tempo depois para conhecer o mundo. Que importava ver o universo todo, se não conhecia a si mesma? Rápido! Um espelho! Pronto. É agora. Um medo cortante percorreu seu corpo. Ergueu a cabeça e olhou diretamente nos olhos. Viu dois círculos de uma cor muito viva, que mais tarde lhe diriam ser da cor do oceano. Claro que não descansou até conhecer o mar, e achou maravilhoso ter no rosto porções da imagem mais fantástica que chegou a conhecer. Mas não foi só isso que viu quando se olhou no espelho pela primeira vez. Viu que os dentes eram bem brancos. Dava pra ver bem, porque não conseguia parar de sorrir! Viu os cabelos, a pele, o corpo todo, as formas. Era bela! Sempre que lhe diziam isso, acreditava. A diferença era que agora ela sabia. E isso mudou tudo.

16.12.06

Você Pode


(Traduçao livríssima que a Menina fez do Poema "O Me! O Life!" da obra "Leaves of Grass" de Walt Whitman. Que ele me perdoe.)

Oh Eu! Oh Vida!

Oh Eu! Oh vida!... das questões que sempre voltam;
Dos infinitos trens de descrentes - de cidades repletas de tolos;
De mim mesmo censurando a mim mesmo, (pois quem mais tolo que eu, e quem mais descrente?)
Dos olhos que em vão almejam a luz - do significado das coisas - do esforço sempre renovado;
Dos pobres resultados de tudo - das laboriosas e sórdidas multidões que vejo ao meu redor;
Dos vazios e inúteis anos de descanso - com o descanso entrelaçado a mim;
A questão, Oh Eu! tão triste, que volta - O que de bom há nisso tudo, Oh eu, Oh vida?

Resposta.

Que você está aqui - que a vida existe, e a identidade
Que a poderosa peça continua, e você pode contribuir com um verso."
A Menina conseguiu (finalmente) desfazer os nós nos seus dedos, parar de bater a cabeça na CPU e colocar o sistema de comentários no blog. Agora você, leitor, pode participar. Não é lindo? Eu sei... Também estou emocionada.
Você, que me vê, poderá também ser visto. Se quiser.

15.12.06

Ali, Onde o Sol Se Esconde



Ali. Ali coloquei minhas esperanças e paixões. Bem ali, onde o sol se esconde. Ao final de cada dia eu conversava com minha janela. Falávamos do espetáculo de cores, enquanto o sol nos beijava a fronte. Defronte. Ali, onde sol se esconde, sempre no mesmo lugar... Ali mora minha saudade. Ali está a luz que sorriu pra mim. Tão belo o sorriso. Tão clara a alegria. Tão furtacor a sensação. Ah... Ali eu sorria de graça. Eis que o sol me chamou hoje, para se despedir de mim, como fazia todas as tardes. Me chamou para rumar-me os olhos ao lugar de sempre, bem ali. Não pude.

Hoje quem se esconde... sou eu.