"Sempre que me convidam a opinar sobre casamento inevitavelmente me vem à cabeça taças de champanhe e cálices de vinho.Essas taças e esses cálices são os que ganhamos, minha mulher e eu, no dia do nosso casamento. Na lista de casamento, as taças e os cálices são os meus itens preferidos. Claro que geladeiras, por exemplo, são literalmente um presentão. E que presentinhos como tupperwares não são incríveis no estilo originalidade, mas são práticos, sim, e necessários e bem-vindos. Mas quem dá taças ou cálices não está se preocupando com a vida prática. Está, na verdade, investindo em comemoração, na alegria, no momento especial, no tintim.
Imagine um dia na vida de recém-casados. Eles despertam. Usaram, assim, os lençóis que foram presente da vovó. Tomam café usando as xícaras que foram presente de uma das sogras. Têm um longo dia de trabalho usando underwears que ganharam de um dos cunhados. Voltam para casa pensando no que vão fazer com o bendito conjunto de fondue que ganharam da vizinha. Ou, antes: onde enfiar a maldita racleteira do bendito conjunto de fondue. Ao chegar, tomam banho usando as toalhas que ganharam de um dos sogros. Logo depois do jantar (em que eles usaram as travessas que ganharam de uma das cunhadas), o casal coloca um CD (que era dele antes do casamento), acendo um incenso (que ela tinha desde que namorava outro cara) e bebe um vinho. Finalmente, comungam, um dando atenção a si e ao outro, um chegando a si e ao outro. Pois é nesse instante, breve se pensarmos nas muitas horas do dia, que o casal está convivendo com o presente de um grande amigo do peito: os cálices.Se o vinho e o papo forem bons, provavelmente os lençóis, presente da vovó, serão bem utilizados em seguida.
E o ciclo no próximo dia se repetirá, até um novo momento de paz, este, quem sabe, com champanhe e com o presente de uma grande amiga do peito: as taças.Taças e cálices são o que fazem o casamento não ser, argh, um matrimônio. E uma mulher não ser, argh, uma esposa. Mas se você está imaginando que o casamento me faz pensar em taças e cálices porque acredito que uma vida a dois não resiste sem doses de carinho, sem momentos de delicadeza, sem intervalos amorosos, isso é verdade. Mas não é toda a verdade.A verdade. O casamento também me faz pensar em taças e cálices porque casamentos duram, duram, duram e um dia essas taças e cálices começam a quebrar. Sim, quebra uma taça em um jantarzinho à luz de velas, quebra outra em uma festa de aniversário, quebra um cálice quando os dois, meio bêbados, se encaminham até o quarto, quebra outro por descuido, na pia da cozinha. E quebram várias e vários quando chegam os filhos. Assim, a gente vê ali, no armário da sala, a passagem do tempo. Nossa coleção de copos (difícil achar sinônimos para taças e cálices) vai sofrendo dramáticas e terríveis baixas... (repare: as fotos na prateleira também estão ficando mais desbotadas a cada dia).E ali na frente do armário, parado no meio da sala a gente se pega perguntando: apenas as taças e os cálices não resistirão à longevidade do casamento? O nosso frágil amor resistirá? Quebraremos nós também, eu um cálice, ela uma taça? Será que o tempo, implacável, exige que um homem, para continuar cônjuge. seja resistente e opaco feito um tupperware? E que uma mulher seja forte e fria feito uma geladeira? Não. Sinceramente acho que não.
Cacos didáticos?
As pessoas costumam dizer que vão perdendo as ilusões à medida que o tempo passa. E falam isso como se fosse ruim se desiludir. Perder ilusões é sabedoria. Ilusão é truque. Ilusão é mentira, ilusão é ilusão. Não acredita? Olhe no dicionário. Ou olhe pra vida. Amor é amor quando você prefere sua mulher a uma mera tapeação. Amor é amor quando você aprecia mais o seu homem do que um sonho dourado.É isso que o casamento ensina sobre o amor - ou ao amor.Quando você perde ilusões ganha na vida real. Em vez de ficar perseguindo uma quimera, descobre que já chegou, faz tempo a um bom lugar. A sua própria casa.
Sábios copos.
Por isso que o tema casamento me remete a taças de champanhe e cálices de vinho, às taças e aos cálices que ganhamos, minha mulher e eu, na festa de casamento. Esses copos chegaram a nossa vida em um dia de celebração. Depois, com o tempo, se revelaram parceiros sempre que a celebração, não importando o dia, voltava a tomar conta das nossas vidas. E então, esses sábios copos despediram-se na hora certa, a tempo de deixar bem claro que a celebração, afinal, não estava neles. Mas em nós, marido e mulher. A ponto de hoje em dia, o marido e a mulher estarem convencidos de que é preciso comprar taças e cálices novos para casa. Os deuses estão exigindo novos sacrifícios em nome da saúde desse casal. Precisamos fazer novos brindes, quebrar novas taças, estraçalhar novos cálices.
Transparências.
E como casamento também me remete a taças e cálices, casamento acaba me remetendo a transparências. Faz sentido.Quanto mais tempo duas pessoas convivem, mais elas ficam transparentes uma para outra. E isso não é ruim. Isso é amor."
Marcelo Pires
Imagine um dia na vida de recém-casados. Eles despertam. Usaram, assim, os lençóis que foram presente da vovó. Tomam café usando as xícaras que foram presente de uma das sogras. Têm um longo dia de trabalho usando underwears que ganharam de um dos cunhados. Voltam para casa pensando no que vão fazer com o bendito conjunto de fondue que ganharam da vizinha. Ou, antes: onde enfiar a maldita racleteira do bendito conjunto de fondue. Ao chegar, tomam banho usando as toalhas que ganharam de um dos sogros. Logo depois do jantar (em que eles usaram as travessas que ganharam de uma das cunhadas), o casal coloca um CD (que era dele antes do casamento), acendo um incenso (que ela tinha desde que namorava outro cara) e bebe um vinho. Finalmente, comungam, um dando atenção a si e ao outro, um chegando a si e ao outro. Pois é nesse instante, breve se pensarmos nas muitas horas do dia, que o casal está convivendo com o presente de um grande amigo do peito: os cálices.Se o vinho e o papo forem bons, provavelmente os lençóis, presente da vovó, serão bem utilizados em seguida.
E o ciclo no próximo dia se repetirá, até um novo momento de paz, este, quem sabe, com champanhe e com o presente de uma grande amiga do peito: as taças.Taças e cálices são o que fazem o casamento não ser, argh, um matrimônio. E uma mulher não ser, argh, uma esposa. Mas se você está imaginando que o casamento me faz pensar em taças e cálices porque acredito que uma vida a dois não resiste sem doses de carinho, sem momentos de delicadeza, sem intervalos amorosos, isso é verdade. Mas não é toda a verdade.A verdade. O casamento também me faz pensar em taças e cálices porque casamentos duram, duram, duram e um dia essas taças e cálices começam a quebrar. Sim, quebra uma taça em um jantarzinho à luz de velas, quebra outra em uma festa de aniversário, quebra um cálice quando os dois, meio bêbados, se encaminham até o quarto, quebra outro por descuido, na pia da cozinha. E quebram várias e vários quando chegam os filhos. Assim, a gente vê ali, no armário da sala, a passagem do tempo. Nossa coleção de copos (difícil achar sinônimos para taças e cálices) vai sofrendo dramáticas e terríveis baixas... (repare: as fotos na prateleira também estão ficando mais desbotadas a cada dia).E ali na frente do armário, parado no meio da sala a gente se pega perguntando: apenas as taças e os cálices não resistirão à longevidade do casamento? O nosso frágil amor resistirá? Quebraremos nós também, eu um cálice, ela uma taça? Será que o tempo, implacável, exige que um homem, para continuar cônjuge. seja resistente e opaco feito um tupperware? E que uma mulher seja forte e fria feito uma geladeira? Não. Sinceramente acho que não.
Cacos didáticos?
As pessoas costumam dizer que vão perdendo as ilusões à medida que o tempo passa. E falam isso como se fosse ruim se desiludir. Perder ilusões é sabedoria. Ilusão é truque. Ilusão é mentira, ilusão é ilusão. Não acredita? Olhe no dicionário. Ou olhe pra vida. Amor é amor quando você prefere sua mulher a uma mera tapeação. Amor é amor quando você aprecia mais o seu homem do que um sonho dourado.É isso que o casamento ensina sobre o amor - ou ao amor.Quando você perde ilusões ganha na vida real. Em vez de ficar perseguindo uma quimera, descobre que já chegou, faz tempo a um bom lugar. A sua própria casa.
Sábios copos.
Por isso que o tema casamento me remete a taças de champanhe e cálices de vinho, às taças e aos cálices que ganhamos, minha mulher e eu, na festa de casamento. Esses copos chegaram a nossa vida em um dia de celebração. Depois, com o tempo, se revelaram parceiros sempre que a celebração, não importando o dia, voltava a tomar conta das nossas vidas. E então, esses sábios copos despediram-se na hora certa, a tempo de deixar bem claro que a celebração, afinal, não estava neles. Mas em nós, marido e mulher. A ponto de hoje em dia, o marido e a mulher estarem convencidos de que é preciso comprar taças e cálices novos para casa. Os deuses estão exigindo novos sacrifícios em nome da saúde desse casal. Precisamos fazer novos brindes, quebrar novas taças, estraçalhar novos cálices.
Transparências.
E como casamento também me remete a taças e cálices, casamento acaba me remetendo a transparências. Faz sentido.Quanto mais tempo duas pessoas convivem, mais elas ficam transparentes uma para outra. E isso não é ruim. Isso é amor."
Marcelo Pires