Quando eu era menina (ora, ainda sou, mas eu já fui mais menina ainda) falava a língua das crianças. Criança tem vocabulário próprio, nem sempre composto de palavras. Fazem parte do léxico infantil as "figas", os "adoletas", a "salada mista". Ah... Coisas de infância. Naquele tempo quando a Menina criança brigava com outra amiguinha, juntava as mãos com os dedos entrelaçados, virava as palmas para a pessoinha e dizia: "Tô de mal!". Tudo isso com a cara bem emburrada, bochechas vermelhas de raiva, olhar desafiador. Era coisa séria "ficar de mal". Principalmente para alguém que nunca falava palavrão. Abro parênteses:
( Dizem que nosso nível de stress é inversamente proporcional ao número de palavrões que falamos. Vide texto de Pedro Ivo Resende, antes atribuído erroneamente ao Veríssimo. O fato é que eu não falo palavrão. Não falo palavrão pelo mesmo motivo que você não fala japonês: não me ensinaram. E sou feliz assim.)
Fecho parênteses. Ficar "de mal" era o clímax da raiva, a maior demonstração de indignação. Era um protesto calado, mas eloqüente. Mais ainda: era sinal de que a amizade corria perigo. E criança dá mais valor a amizade, não me pergunte por quê. Só sei que não demorava muito tempo para uma das partes envolvidas estender a mão, mostrando o dedo mindinho, dizendo "vamos ficar de bem?". E dávamos os dedos mindinhos, e estávamos "de bem" de novo. Sem mágoas, sem remorso, sem risco algum para a amizade. Era mais fácil quando eu era criança. Hoje estou "de mal" de tanta coisa. Nem quero aqui fazer uma retrospectiva de meu 2006. Estou "de mal" com 2006. Começo 2007 não com o pé direito, mas com a mão estendida, dedo mindinho em riste: quero ficar "de bem" com o ano novo. Sei que não é tão simples como era na infância, mas ainda acredito ser possível. Ainda sou Menina. E quero ficar "de bem" com a vida.